No passado dia 5 de janeiro faleceu, em Lisboa, onde se encontrava hospitalizado, um dos maiores vultos da escultura contemporânea portuguesa e uma referência incontornável da nossa cultura. Irreverente, provocador, genial, marcante, João Cutileiro, conseguiu nestas últimas décadas, nas palavras da senhora ministra da Cultura, Graça Fonseca, “romper com a tradição, abrir novos caminhos e reinventar Portugal e a sua história, criando uma mitologia que é ao mesmo tempo própria, mas também coletiva, pela forma como, a partir dele, vemos em espelho aquilo que somos, com humor e com assombro”.

Nasceu em Lisboa a 26 de junho de 1937, no seio de uma família da média burguesia, que ondulava entre o republicanismo paterno, que não se abstinha de enfrentar ideologicamente o Estado Novo e de cavar antipatias com a PIDE, e o fervoroso catolicismo materno, que admirava Salazar e o regime. Estas constantes afrontas levaram a família Cutileiro para o exílio, primeiro na Suíça, depois na Índia e Paquistão, onde o pai de João Cutileiro trabalhou para a Organização Mundial de Saúde. Era irmão do diplomata, antropólogo e escritor José Cutileiro, falecido em maio de 2020, que escreveu, entre muitas outras obras, a magnífica monografia Ricos e pobres no Alentejo.

Da sua extensa obra destaca-se a muito polémica estátua de D. Sebastião, em Lagos, num claro afronto às ideologias do Estado Novo e, posteriormente, o enorme Monumento ao 25 de Abril, construído no Parque Eduardo VII em Lisboa. Residia, desde 1985, em Évora, onde tinha o seu atelier de trabalho, recebendo com frequência importantes grupos de jovens escultores que aí completavam a sua formação.

Enquanto expoente máximo da arte contemporânea portuguesa, João Cutileiro viu-lhe serem reconhecidos, por diversas vezes, os seus peculiares dotes de escultor, traduzidos em prémios de enorme valor cultural e pessoal. Em 1983 foi condecorado com a Ordem de Sant’Iago da Espada (Grau de Oficial) pelo Estado Português. Posteriormente, recebeu o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Évora e, em 2017, pela Universidade Nova de Lisboa. Em 2018, a cidade de Évora atribuiu-lhe a Medalha de Mérito Cultural, numa cerimónia ocorrida no Museu de Évora, onde foi também formalizado o compromisso de doação do seu rico e vastíssimo espólio ao Estado Português.

O seu trabalho ficou indelevelmente ligado ao nosso concelho por diversas ocasiões. Nos idos de 1951, Monsaraz recebeu a primeira exposição individual de João Cutileiro, intitulada “Tentativas Plásticas” onde, para além dos registos escultóricos, apresentou um conjunto de pinturas, aguarelas e peças cerâmicas. Tinha apenas 14 anos… Voltou à nossa histórica vila em 1988 para participar na segunda edição do certame cultural Monsaraz Museu Aberto. Finalmente, recordamos aqui, com saudade e orgulho, a sua última exposição em Monsaraz, ocorrida em 2016, no âmbito do 30º aniversário do Monsaraz Museu Aberto, onde nos apresentou a sua outra grande paixão – a fotografia – num conjunto de magníficos retratos realizados entre 1959 e 2015, cujos retratados são sempre os seus amigos e os seus familiares. E foi também nesta ocasião que o Município de Reguengos de Monsaraz adquiriu uma escultura do mestre Cutileiro que, em breve, irá ser colocada ao dispor do público na cidade de Reguengos de Monsaraz.

Reconhecedor do importante valor cultural que a obra de João Cutileiro teve no nosso concelho, o Município de Reguengos de Monsaraz endereça as suas condolências a toda a sua família e disso dará a devida nota pública.

Fonte: Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz

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