A obesidade nos adolescentes com Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) foi o tema escolhido para o programa de março da Rádio Telefonia do Alentejo (RTA), feito em parceria com a Unidade de Saúde Pública (USP) do Alentejo Central.

Beatriz de Aranha, médica interna em Saúde Pública, e Margarida Carrasqueira, médica interna de ano comum, falaram de como é que esta perturbação se relaciona com a obesidade na adolescência, bem como dos riscos, consequências e intervenções que podem ser feitas.

Margarida Carrasqueira começou por referir que “a PEA é uma perturbação do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação e a interação social em diversos contextos”, exemplificando que “estes indivíduos podem ter dificuldade em olhar olhos nos olhos, em manter uma conversa ou em reconhecer as emoções”.

Realçou também que “caracterizam-se por ter comportamentos, atividades ou interesses restritos e repetitivos”.

A médica interna de ano comum explicou que “a gravidade das manifestações e o funcionamento do indivíduo é bastante variável”, especificando que “o diagnóstico desta perturbação é clínico, ou seja, baseia-se nas manifestações, não necessitando de exames complementares de diagnóstico”.

Beatriz de Aranha acrescentou que “o raciocínio clínico e o diagnóstico de uma condição ou doença têm por base não só uma lista de critérios, como também a própria experiência do médico”.

No âmbito do tema do programa, Margarida Carrasqueira recordou que “a adolescência envolve uma série de mudanças significativas que impactam o corpo, a mente e as relações sociais”, frisando que, “neste período, a obesidade adquire uma preocupação crescente, tratando-se de um problema de saúde pública”.

Revelou que “estima-se que cerca de sete por cento dos adolescentes no mundo sejam obesos, mas dentro dos adolescentes com autismo 30 por cento são obesos”, reiterando que “só por esta discrepância entendemos o interesse e a necessidade de investigar sobre este tema”.

A médica interna reforçou que “a obesidade em adolescentes com autismo não só é mais prevalente, como também apresenta maiores desafios no tratamento devido às especificidades destes jovens”.

Anunciou ainda que “os estudos indicam que os principais fatores de risco para a obesidade nestes jovens incluem as alterações do comportamento alimentar, uma menor prática de atividade física, hábitos sedentários e a medicação”.

Segundo Margarida Carrasqueira, “o comportamento alimentar da maior parte dos adolescentes com autismo caracteriza-se por seletividade alimentar”, comentando que “nem sempre um diminuto reportório alimentar implica uma menor ingestão de alimentos”.

A par disso, focou que “a evidência sugere que praticam menos exercício físico e muitos jovens com PEA tornam-se mais sedentários, o que pode impactar negativamente a saúde física e mental”, dando ainda conta de que “os indivíduos com autismo frequentemente necessitam de medicação e alguns destes fármacos podem contribuir para o aumento ponderal”.

De acordo com Beatriz de Aranha, “de um modo geral, os adolescentes com autismo apresentam um perfil de comorbilidades físicas, metabólicas e psicológicas sobreponível ao dos restantes jovens obesos”.

Exemplificou que “estamos a falar de um aumento do risco de diabetes tipo II, doenças cardiovasculares, artroses ou puberdade precoce, assim como baixa autoestima, perturbações depressivas, de ansiedade ou do comportamento alimentar”, constatando que “nos adolescentes com autismo e obesidade verifica-se a coexistência de duas condições com impacto significativo na qualidade de vida, além de apresentar também um impacto significativo na dinâmica familiar”.

E como é que podemos intervir no estilo de vida destes jovens? A médica interna em Saúde Pública lembrou que “a implementação de mudanças de estilo de vida é das intervenções mais desafiantes na promoção da saúde”, sublinhando que, “no caso dos jovens com autismo, são necessários esforços redobrados, muita paciência e um acompanhamento constante do jovem, mas também dos seus tutores”.

Na sua perspetiva, “torna-se essencial a existência de uma equipa multidisciplinar, composta pelos mais diversos profissionais de saúde que possam intervir nestes casos”.

Beatriz de Aranha referiu alguns exemplos, como “adotar estratégias que permitam uma introdução gradual de alimentos saudáveis, incentivar ao consumo de água ou priorizar atividades mais lúdicas que melhorem a adesão à prática desportiva”.

Por sua vez, Margarida Carrasqueira mencionou que, “nos casos mais complexos, pode-se considerar o uso de medicamentos”, realçando que, “em última instância, a cirurgia bariátrica também pode ser uma opção”.

Quanto ao apoio para esta área, Beatriz de Aranha destacou que, “em Portugal, há a Voz do Autista, que dá formação e dinamiza sessões informativas, sendo uma associação composta por adultos, pais de crianças autistas e profissionais de saúde e de educação que são autistas”.

Na sua opinião, “o apoio social para as pessoas autistas e cuidadores é muito importante para saberem que não estão sós e que existe um caminho a percorrer”, concluindo que, “às vezes, estas associações adquirem papéis de suporte e até de investigação que ainda constituem lacunas na atuação do Estado e dos seus profissionais de saúde”.

Texto: Redação DS / Marina Pardal
Foto: DS