Um grupo de investigadores da Universidade de Évora (UÉ) verificaram que a alimentação em aterros sanitários mudou a dieta da cegonha-branca (Ciconia ciconia), expondo a espécie a novas ameaças, como a ingestão de materiais inorgânicos e o cleptoparasitismo por milhafres. O estudo foi publicado no Wilson Journal of Ornithology.

“Os aterros sanitários são fontes de alimento relevantes e muito utilizadas por várias espécies de aves oportunistas como cegonhas, gaivotas, rapinas e corvídeos” começa por explicar João Rabaça, professor do Departamento de Biologia e investigador do Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento da Universidade de Évora (MED) da academia alentejana, porque, tal como faz recordar, “as aves juntam-se em grande número para se alimentarem e existe uma elevada probabilidade de ocorrer cleptoparasitismo nos aterros”, ou seja,  o “parasitismo por roubo”, o que se aplica quando um animal leva o alimento capturado por outro indivíduo, eventualmente de outra espécie.

O investigador da UÉ sublinha que as populações de cegonha-branca da Europa Ocidental sofreram um declínio no século XX, mas na Península Ibérica esta tendência foi revertida nos últimos 30 anos, “em parte devido ao aumento da disponibilidade de alimento em aterros sanitários” e, “uma vez que a cegonha-branca é uma espécie oportunista, que se alimenta de invertebrados, peixes, anfíbios e pequenos mamíferos, esta ave beneficia dos recursos alimentares facultados pelos aterros”.

No entanto, o investigador alerta que “a alimentação nestes locais envolve riscos relacionados com agentes patogénicos, produtos químicos e lesões decorrentes do consumo acidental de materiais não digeríveis, como vidro, plástico e metal, bem como da exposição ao cleptoparasitismo”, uma ameaça a ter em consideração.

O estudo integrou a dissertação do Mestrado em Biologia da Conservação na Universidade de Évora de Tiago Ventura, analisando-se 182 regurgitações recolhidas em 2005 e 2010 em colónias afastadas do aterro sanitário intermunicipal do distrito de Évora, e no aterro apenas em 2010. Adicionalmente, durante a investigação foram realizadas 47 horas de observações focais de cegonhas em alimentação no aterro.

Os conteúdos das regurgitações, assinala João Rabaça, “foram sobretudo insectos e materiais inorgânicos não identificados onde as análises de variância efectuadas revelaram diferenças locais, sazonais e anuais significativas, verificando-se uma redução em diversos grupos de insectos e no seu número total em 2010 comparativamente com 2005”. recordando que foi o ano em que o aterro sanitário não estava ainda em atiividade.

Já entre 2005 e 2010, o investigador refere que “assistiu-se a um aumento do material inorgânico presente nas regurgitações”.  

“As observações efetuadas no aterro mostraram ainda que as cegonhas se alimentam de material orgânico, principalmente carne fresca e peixe. Por sua vez, os milhafres-pretos (Milvus migrans), rapinas migradoras presentes durante a Primavera e Verão, cleptoparasitam as cegonhas principalmente no início e no final da manhã, limitando a ingestão de alimentos e provocando um aumento do tempo que as cegonhas passam no aterro” enfatiza o também responsável pelo Laboratório de Ornitologia da UÉ.

Para João Rabaça, especialista em ornitologia e biologia da conservação, “a biodiversidade enfrenta um declínio global a uma velocidade sem precedentes na história da vida na Terra”, ainda que, no seu entender sejam necessários mais estudos para pesar as consequências das alterações no habitat causadas pelo homem na biodiversidade,

No cenário atual de grande produção de resíduos, “é fundamental tomar decisões informadas e formular melhores políticas de gestão de resíduos que integrem a conservação da biodiversidade” alerta ainda o investigador.

Fonte: Universidade de Évora

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